A crise decorrente da pandemia do coronavírus ( Covid-19) faz com que alguns elementos e fatos seja reanalisados sob a ótica do fato extraordinário.
Na relação de contrato de locação, usualmente, a relação estabelecida é de igualdade entre as partes, diferentemente de uma relação de consumo ou trabalhista. Há de se levar em consideração que no direito civil o pacta sunt servanda, ou seja, que os acordos sejam cumpridos, são estritamente relevantes e aplicáveis.
A primeira observação que deve-se realizar é a possível presença de cláusula que dispõe de caso fortuito ou força maior, se existir, as cláusulas trará como as obrigações devem ser interpretadas no presente cenário.
Partindo do pressuposto da inexistência dessa cláusula, haverá possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão, pois o que se verifica no presente cenário é o impacto econômico que causará efeito diretamente no equilíbrio contratual, discutindo-se a questão da obrigatoriedade do pagamento.
Em linhas gerais, o legislador, ao prever que situações extremas e inesperadas poderiam acontecer durante a vigência dos contratos, normatizou o que tecnicamente chamamos de teoria da imprevisão no artigo 478 do Código Civil. Nos termos desse artigo, estipula-se que em casos extremos e imprevisíveis - como o coronavírus - quando um contrato se torna oneroso demais para uma das partes, o mesmo pode ser resolvido.
Nesse sentido, o art. 393 do Código Civil prevê que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior.
O art. 567 do mesmo diploma legal, por sua vez, prevê que em caso de deterioração da coisa sem culpa do Locatário, a este caberá pedir a redução proporcional do aluguel.
Ora, em aplicação análoga ao art. 567, se na deterioração é possível a redução proporcional, por consectário lógico, é igualmente possível decotar os valores devidos a título de aluguéis referente ao período em que o Locatário se vê obrigado a manter seu comércio fechado, diante da ocorrência de fatos imprevisíveis.
Ainda que assim não se entenda, o art. 22, incisos II e III, da Lei de Locações (Lei Nº 8.245/1991), prevê que é obrigação do locador garantir o uso pacífico do imóvel, bem como manter, a forma e o destino da unidade imobiliária.
Caso as partes não logrem êxito nessa composição, os locatários podem lançar mão de ação judicial, por meio da qual pode buscar a revisão dos valores do aluguel, com esteio nos artigos 18 e 19 da Lei de Locação, para os contratos que já tenham decorrido mais de 3 anos. Outrossim, para os contratos que ainda não tenham tido o decurso do prazo exigido pela Lei de Locação, o pedido de revisão judicial pode ser fundamentado nos artigos 317 e 478 do Código Civil, podendo ser interpretado atual cenário brasileiro (de pandemia do coronavírus) como um acontecimento imprevisível e extraordinário que coloca uma das partes em situação de onerosidade excessiva.
Deve haver uma indicação precisa das cláusulas que se pretende revisar, em especial com a indicação do novo valor a título de aluguel pretendido. Outro ponto relevante é que, nos termos do art. 68 da lei 8.245/91, será possível formular pedido de fixação, pelo juiz, de aluguel provisório, que “não poderá ser inferior a 80% do aluguel vigente”, até que a demanda seja julgada em definitivo.
É certo que os efeitos mais nefastos da crise econômica ocasionada pelo coronavírus ainda estão por vir e são imprevisíveis. O que é certo é que o mercado de locações comerciais deve ser fortemente impactado, com a gradativa adequação dos preços de mercado a patamares compatíveis com a queda na procura por novos imóveis comerciais e a esperada vacância que a crise irá gerar.